Os desafios da nova década para implementar a Economia Circular

O modelo de produção e consumo que se implementou nos países desenvolvidos no último terço do século XX, no qual as matérias-primas se extraíam da natureza, eram transformadas em produtos com uma vida útil cada vez mais curta e finalmente eram retirados, está esgotado. Não só pelo impacto global que produz no planeta, como também porque alguns dos materiais começam a dar sintomas de rutura ou a sua extração encareceu significativamente. Na Europa, esta preocupação manifestou-se claramente no documento “Communication from the Commision to the European Parliament” relativo à lista de matérias-primas fundamentais para a EU. Como resultado do seu conteúdo, as Matérias-Primas Críticas constituem um eixo prioritário do primeiro plano de Ação da EU para a Economia Circular com o fim de promover a sua utilização eficaz e a sua reciclagem.
Este modelo económico linear está a produzir um impacto ambiental e climático que supera a capacidade do planeta para o remediar e que, numa economia globalizada, se dispersa desde o ponto de extração da matéria-prima até à totalidade da Terra.
A economia global é uma realidade e a dependência de qualquer ponto do planeta em relação ao resto é cada vez maior. Isto não se percebe apenas no fornecimento de matérias-primas e bens de consumo, mas também na gestão e tratamento final dos resíduos. O impacto criado pela decisão chinesa de limitar extraordinariamente as suas importações de plástico provocou uma crise nos países que os enviavam, principalmente os europeus. O desvio para outros países (Vietname, Malásia, etc.) foi temporário porque também já estão a adotar a mesma medida. Estas decisões marcam um novo panorama empresarial e geopolítico e a lição aprendida é que não se pode ter uma dependência total de um terceiro, se se quer progredir na gestão de resíduos e alcançar os novos objetivos impostos por Bruxelas.
Uma abordagem global e holística para enfrentar os desafios da Humanidade: A Economia Circular
A abordagem global que se propõe para resolver estes e outros problemas que a Humanidade enfrenta atualmente é a chamada Economia Circular. A Economia Circular pretende imitar a natureza e criar ecossistemas locais, sejam eles naturais ou antrópicos, convertendo os resíduos de todo o processo em matérias-primas secundárias, gerindo eficazmente a energia e levando a uma mudança no paradigma no qual a Economia Circular se apresenta como um sistema de aproveitamento de recursos, ao mesmo tempo que se fomenta a economia e a criação de emprego. Uma economia circular aproxima a gestão de resíduos aos conceitos de gestão de recursos e converte-se numa parte integral dos mercados mundiais de recursos.
É evidente que a magnitude do desafio é enorme, que implementar um novo modelo de desenvolvimento com base nos princípios preconizados pela Economia Circular não é simples e que nenhuma empresa ou administração consegue sozinha. Desde dezembro de 2015, quando foi aprovado o primeiro plano de ação a nível europeu, falou-se muito sobre a Economia Circular, mas chegou o momento de passar das palavras para os atos e fazer da Economia Circular uma realidade através da aplicação dos seus princípios.
Uma abordagem global e holística para enfrentar os desafios da Humanidade: A Economia Circular
As conclusões apresentadas no relatório “The circularity gap report 2020”, publicado recentemente na cimeira anual do Fórum Económico Mundial em Davos, não são muito promissoras e deixam claro que há um longo caminho a percorrer.
- Hoje, apenas 8,6% da economia mundial é circular. Há dois anos era 9,1%.
- O consumo anual de matérias-primas superou os 100 mil milhões de toneladas por ano. O grupo de especialistas Circle Economy indica no seu estudo que o consumo global nos últimos anos aumentou 8%, enquanto a reutilização e a reciclagem de materiais, reduziu meio ponto percentual, exatamente o contrário do necessário para construir uma economia global sustentável.
- Em 2017, o último ano a que se referem os dados da Circle Economy, o conjunto da população mundial utilizou 100,6 mil milhões de toneladas de materiais. Se bem que a população mundial duplicou desde 1970, os dados da Circle Economy indicam que o consumo quase quadruplicou desde então.
- Além de ajudar a mitigar as crises climáticas e ecológicas, a adoção de economias circulares ajudaria a tornar os países mais competitivos.
- Um terço dos materiais usados anualmente acaba como resíduos em aterros. O estudo também observa que alguns países melhoraram as suas taxas de reciclagem e recuperação de resíduos, como Suécia, Luxemburgo e Áustria.
- Com base na urgência e oportunidade, um número crescente de países e governos nacionais estão a começar a delinear as suas estratégias para apoiar o investimento em agendas de economia circular específicas e sustentáveis.
A transição para a economia circular, uma prioridade
Com base nos dados mencionados anteriormente, os autores do estudo desafiam os governos e comunidades mundiais a tomar medidas urgentes para avançar para a transição para uma economia circular.
No início de março de 2020 deu-se a conhecer o novo Plano de Ação sobre Economia Circular da Comissão Europeia, no qual se estabelece a linha a seguir e se estipulam novas prioridades, incluindo novos eixos de atuação, por exemplo a água e os nutrientes.
Nesse sentido, algumas ajudas para alavancar a Economia Circular e alcançar a transição para um novo modelo de desenvolvimento social, económico e ambiental são:
- Desenvolvimento de novos modelos de relação e de negócio entre os diferentes agentes que fazem parte do círculo. A Economia Circular não é um caminho solitário, ninguém o consegue fazê-lo sozinho. Por isso, primeiro deve-se consciencializar sobre a posição que cada agente, empresa, cidadão, administração, etc. ocupa no processo económico circular. Segundo, devem-se usar novas formas de relação e colaboração entre os diferentes agentes. Como sublinha Peter Bakker, CEO do Conselho Mundial de Negócios para o Desenvolvimento Sustentável, no relatório anteriormente citado:
“Os negócios “business as usual” estão mortos. Devemos comprometer-nos a tomar medidas em escala para fazer da economia circular uma realidade.”
- Transformação do atual enquadramento normativo (pensado de forma linear para o passado) num completamente circular.
- No que diz respeito à vertente económica, qualquer iniciativa ou projeto circular que surja deve ser apoiado e avaliado não só do ponto de vista dos investimentos necessários, mas também do ponto de vista ambiental e estratégico, em relação à forma como contribui para evitar a rutura dos recursos naturais, especialmente no caso da Europa onde já consumimos uma parte significativa dos existentes.
- Inovação para o desenvolvimento de novas soluções tecnológicas: implementação de soluções que permitam o encerrar o círculo para alguns materiais que, até agora, eram considerados resíduos. Surgiu uma frase que diz: “O futuro será circular … ou não será.” A Terra é finita e os recursos que ela disponibiliza ao homem também são finitos. A única alternativa é imitarmos a Natureza e, como ela faz com a matéria e a energia, somos capazes de desenvolver “ecossistemas antrópicos” que reciclam tudo o que produzimos e usamos. Isso abre um imenso campo para o desenvolvimento de novos produtos e serviços que, sem transformar radicalmente o modelo atual, permita introduzir as mudanças que a nossa sobrevivência como espécie requer.
- A indústria 4.0. O setor da gestão de resíduos percebeu aproximadamente há 5 anos, que as tecnologias atuais de tratamento chegaram ao seu limite. Os rendimentos e resultados estão estagnados e torna-se muito difícil dinamizá-los usando as tecnologias atuais. Estamos perante a conhecida lei dos rendimentos decrescentes (ou lei das proporções variáveis, princípio da produtividade marginal decrescente ou dos rendimentos marginais decrescentes), tão comum noutros setores produtivos e que já atinge o nosso ramo de atividade. Consequentemente, é necessário aplicar soluções e estratégias semelhantes às já implementadas anteriormente, adaptadas à realidade dos resíduos, que passam pelo desenvolvimento de novas práticas de gestão e pela promoção de novas tecnologias disruptivas (robótica, inteligência artificial, …). A indústria está no centro da transformação da gestão de resíduos.